5.4.10

parte I

Querido D.,
Ainda me custa pronunciar o teu nome, apesar dos anos que já passaram.
Hoje fui encontrar-me com o Osmar, lembraste dele? Ele está cada vez mais distante de tudo o que o rodeia, está perdido. Sabes, acho que foste muito ingrato por nos teres deixado assim. O Osmar ainda usa o colar que lhe ofereceste como prenda de natal, ainda toca as músicas que vocês tocavam juntos horas e horas a fio. Ele sente a tua falta, talvez mais do que eu. Vocês eram tão amigos, tão unidos, custa-me vê-lo sofrer por alguém que não merece. Sim, tu não o mereces. Não o mereces a ele, não me mereces a mim, não mereces ninguém. Sabias que a Ofélia deixou-o por tua causa? Tu partiste-o, estragaste-o. Ela tentou ajuda-lo mas com a tua cara em todo o lado torna-se difícil esquecer-te e seguir em frente. Ela desistiu dele, desistiu do seu amor e a culpa é tua.
Sabes, eu amava-te. A sério que amava. Acho que durante o tempo em que estivemos juntos nunca to disse, mas tu também nunca disseste que me amavas. Eu achava que o amor estava escrito no teu olhar, tal como estava escrito no meu; mas ora, quem queremos enganar? Tu nunca me amaste. Tu não sabes amar. Ainda te lembras de quando colocaste o teu perfume na minha almofada, dias antes de me deixares? O cheiro já se foi embora, à muito tempo, mas por nostalgia comprei o teu frasco de perfume favorito e pulverizei-o na minha almofada. Dizem que o cheiro é o melhor amigo das memórias pois faz com que nos lembremos mais facilmente de tudo. Verdade, posso dizer. O cheiro a flores recordou-me alguns momentos que considerava esquecidos. Lembraste da nossa primeira conversa? Quando te disse que não eras tão bonito assim? Ah! Quão mentirosa eu fui nesse dia, mas tu não te importaste e disseste "Nunca me achei tão bonito como dizem. Sabes, eu não sou nada de especial elas é que se limitam a olhar para o meu físico mas tu vês mais do que isso." E vi nesse instante um interesse. Um interesse que cresceu e tu disseste ter-se transformado em paixão. Que paixão é essa que deixa a pessoa de quem gostamos assim? Como tu me deixaste? Lembraste de quando cantaste para mim pela primeira vez? Ainda me recordo do som da tua voz acompanhada pela tua guitarra semi-acústica preta. Tinhas tanto orgulho na tua guitarra, mais do que em qualquer outra coisa ou pessoa. Engraçado, acho que nunca fui motivo de orgulho para ti.
Agora pergunto-te, custou-te deixar-me ou eu tornei essa tarefa assim tão fácil? Eu amava-te tanto! Nunca to disse porque acho que amor é uma palavra demasiado forte para se gastar, devemos guarda-la e dize-la apenas no momento certo. Eu ia guardar essa palavra para a noite em que me deixaste. Fiz o teu prato favorito, a tua sobremesa favorita e coloquei o nosso CD. Tinha colocado pétalas sobre a mesa, sobre o chão; acendi todas as velas que tinha e sentei-me à tua espera. Nunca apareceste. Um dia, ia a passar pela rua e vi a tua cara no jornal.
Agora, todos sabem o teu nome, todos conhecem a tua cara, mas ninguém sabe do teu passado. Ontem estava a ver o noticiário e estavas lá a dizer que "Tudo o que tenho conquistei sozinho a muito custo". Engraçado, já te deves ter esquecido da quantidade de castings que te ajudei a preparar, das aulas de dança que te dei, das vezes que estive a teu lado para conseguires um papel. E vez após vez a seres rejeitado estive sempre a teu lado para te mostrar que não precisavas de ficar triste e que te ia ajudar e que tudo ia correr melhor. Quando subi ao palco pela primeira vez, estiveste na última fila quando eu precisava de ti na primeira, todos se levantaram para me aplaudir mas tu nem um sorriso mostraste. Movi terras e montanhas para te arranjar um papel, e quem estava na primeira fila era eu. A primeira a levantar-se fui eu. A primeira a dar-te os parabéns pela tua vitória, fui eu. Eu. Eu e mais ninguém se não EU! Eu amava-te, sabias?
Quando recebeste a proposta de ires para longe, demasiado longe, pensaste em mim? Pensaste no Osmar? Na tua mãe? Pensaste em alguém se não a tua pessoa? Não deves ter pensado, afinal tu és um mero narcisista. Mas sabes uma coisa? A culpada disto tudo sou eu, por me ter iludido, por achar que eras diferente. Ninguém me mandou apaixonar-me por ti. Lutei contra muitas pessoas, remei contra a maré, tudo para poder estar contigo. Lembraste da Mafalda? Deixou de me falar. E tu agradeces-me assim. Está bem, acho que não te posso cobrar nada. Não o vou fazer, não desta vez.
Não sei se algum dia irás receber esta carta, mas se receberes só quero que saibas duas coisas.
1. Destruíste o Osmar.
2. Vou esquecer-te, para sempre e esta é a última vez que irás saber alguma coisa de mim. Eu amava-te, muito. Demasiado. Amanhã vou à missa das onze rezar por ti, afinal de contas para mim estás morto.
Adeus D.
Até nunca.
Beijos com amor.

1 comentário:

Manuela Oliveira disse...

Simplesmente fantástico!!
Um dia ainda vou ver livros teus num escaparate e alguma livraria, e morrer de orgulho!
bjos