«Quando o conheci, senti-me renascer. Havia muito tempo que não me sentia assim. A flutuar no espaço. O mundo girava à minha volta em rotações acelaradas, e era-me difícil pensar com calma no que quer que fosse. Uma energia nova e quente tomaca conta de mim e sufocava-me. Eu exultava em cada novo dia. A presença dele aquecia-me o corpo e os sentidos, e sentia-me a pairar sobre nuvens de algodão. Era uma sensação estranha e viciante. Por vezes, sentava-me junto ao mar, e procurava convencer-me de que não se passava nada de estranho comigo. Que estava apenas a apaixonar-me. Milhões de pessoas no planeta ter-se-iam sentido assim pelo menos uma vez no decurso das suas vidas. Respirava fundo, e tentava levar as coisas com naturalidade, mas as minhas intenções não passavam disso mesmo, de intenções. Sempre que o vislumbrava, a minha cabeça girava a cem à hora, a minha pulsação acelarava e ondas de suor prepassavam pelo meu corpo, deixando-me num estado semelhante à loucura. Não dizia coisa com coisa, não fazia nada certo. O olhar dele ficava-se em mim de uma forma, que fazia o meu corpo estremecer em convulsões de desejo. Percebia que não conseguia controlar a situação, e que, a qualquer momento, poderia cometer uma loucura. Quando hoje me recordo destas sensações, elas parecem-me longínquas e desconexas, difíceis de reconstituir. Hoje, sinto-me a anos-luz de tudo isso, e é-me difícil acreditar que a pessoa que hoje sou, seja a mesma que esteve apaixonada por aquele homem. Tudo parece ter acontecido à anos-luz. Tudo parece ter acontecido com uma outra pessoa, que não eu. Uma pessoa viva, plena de energia, infinitamente sedutora e desejável. Uma pessoa, que não eu. Nada no mundo lá de fora me é particularmente apelativo. Nem as fantásticas montras nos centros comerciais, nem os filmes, nem mesmo os livros. Sem a luz daquele homem, não sou ninguém. Apenas existia, na medida que ele existia, na medida em que sentia que eu própria era uma criação sua. A sua luz era intensa! Tão intensa que corria o risco de queimar os outros, de deixar as minhas asas queimadas perante a chama do seu desejo. Era tão bom estar com ele! Sentia o meu corpo aquecido, deliciosamente aquecido, revigorado, desperto. Tinha aqueles olhos intensos e claros, que me mergulhavam em estados de êxtasem as sas nºais eram fortes, determinadas. Quando apertava as minhas mãos, transmitia-me energia e vontade de seguir em frente. Sopro de vida. Depois havia a voz, insinuante, sensual, que me despertava desejos secretos e pensamentos obscenos. O poder que tinha sobre mim, mais ninguém o terá. Enfeitiçou-me sem apelo nem agravo. Quando se teve algo mágico com uma pessoa, quando se sentiu o que eu senti, nunca mais se volta a ser o mesmo. Hoje sou outra. O que senti não é explicável, contável. Ninguém o entenderia. Falariam em flirt e enfatuação sexual. Não perceberiam nada! Nas suas vidas, as coisas decorrem com tranquilidade, sem sobressaltos. Não compreenderiam! Teceriam sorrisos de complacência, mas teriam pena de mim. Não quero que tenham pena de mim. Se podesse escolher, teria vivido tudo outra vez. O que houve entre nós poderá ter sido provisório, pontual e efémeo. Mas foi forte e inesquecível. Hoje vivo, alimentando-me de memórias vagas do passado. O odor dele há muito que desapareceu do meu corpo, o toque também. Mas existem outras memórias, que representam bolsas de oxigénio, que sorvo som sofreguidão. Por uma questão de sobrevivência. Foi tudo demasiado bom. Como num filme ou num romance bem construído. Com todos os condimentos e nas doses certas, isto é, em excesso. Tenho pena de todos aqueles que nunca viveram um amor assim. Apesar de impossível. Quando morrer, levarei comigo as memórias deste grande e inconfessável amor. Não levarei nada do que conquistei ao longo desta vida. Nem as telas, nem os objectos de prata. Não poderei levar objectos para o lugar onde vou. Mas levarei comigo, inscritos na minha alma, os contornos deste amor. Poucas coisas mais levarei na alma. O amor pelos meus pais. A amizade de algumas pessoas. Mais nada. Não levarei comigo os meus pequenos sucessos, nem os meus grandes fracassos. Os diplomas, esses, não os levarei certamente. Medalhas não tenho. Prémios também não. O que mais queres que te diga?
Olha, agora estou cansada! Muito cansada. Acho que vou dormir. Espero que compreendas o pouco que me vai na alma e que não me queiras mal. Ah! É verdade, queria dizer-te que o vou esquecer. Definitivamente. É essa a razão pela qual te escrevo.
Um beijo»
Adaptado do livro Não se escolhe quem se ama por Joana Miranda.
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