7.2.10

só mais cinco minutos.

O despertador toca. Só mais cinco minutos. Ele levanta-se. Toma banho. Escova os dentes. Veste-se. Liga a televisão para ver o que aconteceu no mundo. Senta-se no sofá a comer a sua torrada com geleia e café. Perto da hora de sair de casa ele pensa, "só mais cinco minutos". Cinco minutos. Ele abre a porta. Abre a porta do carro. Senta-se, coloca a pasta no lugar do passageiro. Com as duas mãos agarra o volante e espera voltar a cruzar-se com ela. Liga o carro. Carrega no acelerador. E lá vai ele. Com pressa porque esperou mais cinco minutos para se levantar. Porque esperou cinco minutos para se levantar do sofá. O sinal está vermelho. Ele começa ritmicamente a bater no volante. Já estava quase na hora de ela passar. Ela chega sempre antes dos outros. Ela entra sempre primeiro que os outros. Ela é sempre a ultima a sair. O sinal mudou para verde. Ele estava tão focado na lembrança dos cabelos compridos e castanhos dela que só arrancou quando ouviu uma buzina atrás do seu carro. E ele continuou o seu caminho. Perto do local onde ela costumava estar, só um homem de fato, bem arranjado. Ela não estava. Eram exactamente 9h10 a hora a que ela entra. Mas ela não está lá. Talvez a tenha perdido por cinco ou dez minutos. Ele ficou impaciente. Pegou na pasta ao seu lado. Pegou nas chaves. Abriu a porta do carro e saiu no meio de uma chuva miudinha. Ele esperava encontrá-la lá dentro. "Bom dia Manuela" disse ele à recepcionista. Olhou em seu redor à procura dela. Ela não estava. Ele correu para o seu gabinete, estava atrasado para uma reunião. Negócio fechado. Ele sai a correr na esperança de que ela ainda não tenha saído. Eram 18h00. Ele esperou. Esperou. Esperou. Eram 20h00 e ele cansou-se de esperar. Talvez ela já tivesse saído. Talvez ela ainda demorasse. Ele entrou no carro parado em frente à entrada. Ele ligou o pára-brisas para poder fixar o olhar naquelas portas que abriam e fechavam a qualquer movimento. Mas nada. Ela não apareceu.

O despertador toca. Ela levanta-se. Toma banho. Escova o cabelo. Veste-se. Maquilha-se. Coloca o telemóvel dentro da mala. Segue para a cozinha e come cereais integrais com leite. Chega à hora de sair de casa. Ela abre a porta. Olha para dentro de casa para ter a certeza de que não lhe falta nada. Pega nas chaves e sai. Ela não se recorda dele. Ela tem muito em que pensar. O que vai fazer às 13h00. A reunião das 16h00. Ah e a apresentação das 10h00. Ela também tinha de pensar naquele jantar que combinou às 20h00 e no copo que ia tomar às 23h30. Ela não se podia esquecer de tomar a pílula. Não se podia esquecer de colocar o despertador para a hora certa. Não se podia esquecer de apagar todas as luzes e trancar a porta. Ela tinha muito em que pensar. Eram 9h05 e ela entrou para começar o seu dia em grande. Tirou o seu café matinal. Verificou os seus e-mails. Leu a correspondência que tinha. Foi às reuniões e à apresentação. Eram 17h55 e ela sai. Chega a casa. Muda de roupa. Veste o seu vestido preto. Amarra o cabelo com uma fita de cetim. Pega na pochete e sai de casa outra vez. Janta. Conversa. Diverte-se. Às 23h30 foi beber um copo. Bebeu champanhe. Regressou a casa. Abriu a agenda. Viu o que tinha para fazer e fechou-a. Apagou as luzes. Verificou se tinha a porta trancada. Desligou o gás. E foi-se deitar.

Os dias passaram. Ele continuou a esperar só mais cinco minutos. Ela continuou a sair à mesma hora. Ele continuou a pensar nela. Ela continuou a pensar nos negócios. Na sua vida social. Ele dormia a pensar nela. Ela dormia a pensar no amanhã. Ele olhava para trás a tentar não perder um único detalhe da lembrança do rosto dela. Ela limitava-se a decorar a cara dos familiares, e dos amigos. Ela nem se lembrava da cara dos amantes que já tivera. Ela não se lembra dele. Ele ama-a. Ela não sabe que ele existe.

Um dia. Ele não esperou cinco minutos. Ela continuou a sua rotina. Ele cruzou-se com ela. Disse-lhe que estava bonita. Ela sorriu instantaneamente enquanto se tentava recordar do que jantara no dia anterior. Ele tocou-lhe no braço. Ela nem sentiu. Ele agora sabe que ela não espera cinco minutos. Ela sabe que ele existe. Eles agora encontram-se todos os dias no elevador. Ela diz-lhe "bom-dia". Ele sorri-lhe e o seu dia fica iluminado.

Um dia ela lhe deu-lhe uma hipótese. Um dia ele esqueceu-a.
Eles amaram-se mas só por cinco minutos.

Beijos com amor.

Sem comentários: